por Luís Alcoforado
Doutor em Ciências da Educação, Professor auxiliar de Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
A ideia de modernidade foi sendo construída sobre a convicção generalizada da necessidade de garantir políticas públicas de educação e formação que possibilitassem a todas as pessoas a aquisição de saberes para o desempenho dos mais diversos papéis sociais. Se era evidente que o trabalho se passou a constituir como principal organizador dos tempos de vida e se a emergência progressiva de ideais de igualdade e de democracia representativa e participativa vieram apelar a outros níveis de envolvimento social, a crescente complexificação destas atribuições cidadãs elevou a necessidade e o entendimento de educação a patamares muito diversos do seu sentido tradicional.
À entrada do terceiro quartel do século XX passou a consensualizar-se o conceito de uma educação que, por razões epistemológicas, tecnológicas, profissionais e culturais, se deveria estender ao longo de toda a vida e alargar-se a todos os seus espaços. Na verdade, a contínua e acelerada produção de conhecimento, a permanente transformação das técnicas e das atividades profissionais e a dimensão das heranças culturais demonstravam a impossibilidade das práticas educativas se fecharem, exclusivamente, dentro de organizações específicas e tempos bem determinados.
Ainda que à Escola se passasse a exigir que envolvesse todas as crianças e todos os adolescentes por muito mais tempo, ensinando-lhes mais coisas, seria sempre inevitável que se entendessem como educativas todas as experiências de vida, sendo certo que elas seriam tão mais significativas e transformadoras, quanto mais diversificadas, desafiantes e mobilizadoras se fossem tornando. Assim, tanto como defender a existência de organizações educativas de qualidade, necessitávamos de garantir contextos de vida mais participados e solidários, convocadores do envolvimento de todos na construção de uma cidadania informada e ativa, a começar pelas comunidades de maior vizinhança, visando, igualmente, a construção de modelos produtivos que apelassem à mobilização de dimensões mais intelectuais.
Foi-se, então, sedimentando a ideia de cidade educadora, construída sobre o princípio de aceitação pacífica, segundo o qual as diferentes comunidades organizadas deveriam assumir uma intencionalidade e responsabilidade, cujo objetivo principal deverá ser a formação, promoção e desenvolvimento de todos os habitantes, construindo, desta forma, contextos verdadeiramente educadores.
Se não apresenta qualquer dificuldade aceitar como obrigatório o exercício da cidadania, da autonomia e da liberdade, para se ser cidadão ativo, autónomo e livre, se tem sido sublinhada a importância da experiência como base para uma ação, nomeadamente profissional, mais eficaz e se o desenvolvimento e as aprendizagens dependem da quantidade e da qualidade das experiências e das condições socioculturais ao longo da vida, então, passou a ser necessário reivindicar uma responsabilidade educadora para as comunidades e a sociedade, exigindo-lhe que reconheça, exercite e desenvolva, permanentemente, além das suas funções tradicionais (económica, social, política e de prestação de serviços), uma função de criação e partilha generalizada de conhecimento.
Mais do que pensar a educação como um problema de eficácia escolar, há necessidade de se repensar a educação com o objetivo de proporcionar uma formação mais ligada aos processos de desenvolvimento, garantindo, assim, maior capacidade de transformação, a partir das características de cada território e proporcionando, em simultâneo, melhor qualidade de vida às pessoas da comunidade que o integram.
Uma tal ideia obriga a reforçar o entendimento do território como possibilidade de espaço educativo, ou, dito de outra forma, como meio envolvente, agente e conteúdo da educação, permitindo a todas as pessoas que nele interagem uma capacidade de interpelação que deverá constituir o único fator limitativo da construção do bem-estar comum.
Gerou-se, desta forma, uma ideia orientadora e mobilizadora, que foi fazendo o seu percurso rumo a uma aceitação progressivamente generalizada ao nível local, na identidade e potencialidades de um território e no projeto de desenvolvimento que as pessoas que o integram forem capazes de construir, que a educação e a formação ganham verdadeiro sentido (cf. figura)!
O grande desafio deste projeto de desenvolvimento local, cujo objetivo cardinal se deve centrar na melhoria da qualidade de vida das pessoas e na promoção da sua participação plena, é que ele possa ser, em simultâneo, sustentável e integrado. Sustentável porque contribui decisivamente para a melhoria da economia local, do emprego, do reforço da inclusão social, da vitalidade das organizações democráticas e para a fixação de todos/as os/as habitantes; por outro lado, como se torna evidente, este desenvolvimento obriga a uma integração de diversas componentes, apelando a um equilíbrio constante entre as dimensões económica, social e cultural.
Continuamos a necessitar de políticas públicas de educação e formação e de promoção de desenvolvimento integrado! Precisamos, como é natural, de dinâmicas ajustadas a esse desenvolvimento, provenientes das diversas instituições da sociedade civil, facilitadas pelas políticas referidas. Mas temos que procurar, principalmente, que estas políticas e estas dinâmicas possam originar uma mobilização de “baixo para cima” de todos/as os/as cidadãos/ãs e das comunidades no seu todo, tornando-os/as mais capazes de participar e dirigir o processo de desenvolvimento.
É, então, cada vez mais necessário que a educação e os recursos educativos se preparem de forma a responder a estas necessidades. Nos dias de hoje, continua a ser indispensável garantir diplomas e formações específicas para o trabalho, mas temos que perceber que essas atividades são cada vez menos previsíveis, sendo, por isso, igualmente, indispensável ajudar todas as pessoas a organizarem as suas referências temporais, cuidando de acautelar que todas as atividades educativas contribuam, efetivamente, para um tempo de vida de navegação entre situações profissionais, sociais, culturais, afetivas, lúdicas e de exercício de cidadania.
Temos vindo, desta forma, a ser colocados perante novos desafios, traduzidos, na formulação de instituições internacionais com a responsabilidade da UNESCO, por um entendimento de qualidade da educação que se deve traduzir por objetivos que priorizem, para além da garantia de saberes básicos e específicos, a promoção do desenvolvimento cognitivo dos educandos, o fomento de atitudes e valores de exercício de cidadania e a criação de condições propícias para o desenvolvimento afetivo, da criatividade e da inovação.
Para que tudo isto seja possível, urge articular as políticas, as práticas sociais, culturais, desportivas, comunitárias e empresariais e os projetos educativos das escolas e centros de formação, num projeto educativo local alargado e integrado que envolva, numa interdependência mutuamente enriquecedora, as dimensões de educação e formação e de desenvolvimento económico, social e cultural. Neste movimento ascensional de empowerment assume papel de especial centralidade todo o movimento cooperativo e associativo, com especial responsabilidade para as associações de desenvolvimento local. É destas que se deve esperar o impulso decisivo para a promoção destes processos integrados e sustentáveis de desenvolvimento, baseados numa articulação com um projeto educativo de base territorial que lhes dê consistência e orientação.
Mas este é, também, na atualidade, um dos desafios mais importantes que se colocam aos municípios e às comunidades intermunicipais. Não sendo, propriamente, a primeira vez que o poder local é convocado para assumir um papel mais ativo na execução de políticas de educação, tendo já responsabilidades muito significativas no âmbito da gestão da rede escolar e responsabilidades efetivas no desenvolvimento do ensino pré-escolar e do ensino básico, o que hoje se lhes pede tem uma dimensão muito mais alargada.
Aos municípios e às Associações de Desenvolvimento Local, bem como aos seus parceiros socioeconómicos e do movimento associativo e cooperativo, coloca-se hoje a missão de associar a educação e o desenvolvimento integrado, num projeto articulado que possa antever um futuro de bem-estar comum, prevendo todos os recursos e os procedimentos para o alcançar. É este o repto a que todos temos que começar a responder de imediato!
Artigo de opinião publicado em Março de 2012, no Jornal Pessoas e Lugares Nº 5.
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A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
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Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
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