por José Francisco Ferragolo da Veiga
Chefe de Divisão de Planeamento na Direção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo
As comunidades e os pequenos produtores rurais sempre foram conseguindo encontrar as práticas de cooperação e ajuda mútua e as formas de organização que melhor se ajustam ao seu funcionamento e às suas dinâmicas sociais e económicas.
Primeiro, as práticas e formas de organização tradicionais estavam mais viradas para as relações comunitárias internas como meio de garantir a continuidade das condições de produção e a reprodução das famílias, minimizando os riscos. Privilegiavam o nível da produção (familiar), a entreajuda na realização do trabalho nos períodos e nas operações mais exigentes, o crédito e seguro mútuos e a comercialização colectiva estava praticamente ausente. A produção (familiar) procurava encontrar depois a sua própria procura.
Depois, as práticas e formas de organização modernas mudaram radicalmente, deixaram de estar orientadas para a regulação das relações internas e viraram-se para a organização das relações com o exterior, para o estabelecimento do interface com o meio envolvente, procurando facilitar, acelerar ou melhorar a integração no mercado e na sociedade global. Privilegiam a comercialização e o aprovisionamento de factores, que passaram a determinar a produção.
A organização das relações com o exterior revelou-se no entanto muito mais complexa e incerta, dados os desequilíbrios existentes no poder de negociação, no acesso à informação e ao conhecimento, na influência sobre a formulação das políticas públicas. Complexidade agravada pelo facto das formas de organização terem de se ajustar às características dos diferentes contextos, produtores, produtos, mercados.
O Estado cedo reconheceu a importância destas novas formas de organização dos produtores rurais, o que o levou a intervir na tentativa de resolução de algumas das dificuldades, em particular dos desequilíbrios no poder de negociação e do acesso à informação e conhecimento. Mas, a intervenção do Estado até aos anos 1980 foi de tal modo forte, ao condicionar e tutelar as formas de organização, que lhes retirou a autonomia e levou os produtores a considerar essas formas (caso particular das cooperativas) como empresas do Estado. Só a partir dessa data, com as mudanças a nível global, o Estado iniciou um processo de retração que abriu espaço ao aparecimento autónomo das mais diversas formas e práticas de cooperação e de organização.
Hoje é unanimemente reconhecida a importância das funções que as organizações dos produtores rurais desempenham ou podem vir a desempenhar e que nenhuma outra entidade, pública ou privada, as pode desempenhar com a mesma legitimidade. Contudo, também é reconhecido que elas nem sempre dispõem das capacidades e meios para desempenhar essas funções com a eficácia e eficiência desejadas.
O Estado continua a apoiar a organização dos produtores rurais mas o apoio público é hoje diferente, assume essencialmente a forma de incentivos financeiros e de isenções fiscais, o que não lhes retira a autonomia de gestão democrática.
A integração no mercado e na sociedade global dos pequenos produtores rurais não é assim problema fácil de resolver. A criação de uma organização de produtores obriga sempre a uma delegação de capacidade de decisão na gestão colectiva aumentando em consequência os riscos para as famílias. Este risco é particularmente sentido quando essa gestão revela alguma falta de profissionalismo e acrescenta pouco poder de negociação em relação ao produtor individual, ou quando a gestão é profissional, ganha autonomia, mas com o crescimento da dimensão económica se torna, ela própria, discriminatória (excludente) em relação aos pequenos produtores.
Com facilidade se gera desconfiança e surgem comportamentos oportunísticos e imediatistas por parte dos produtores rurais em relação à sua própria organização. Nestes casos, os produtores procuram retomar a capacidade de decisão anterior saindo da organização ou, mantendo-se, não a diferenciando dos outros clientes e fornecedores, tentando tirar partido das procuras/ofertas imediatas mais vantajosas.
Há muito que estes problemas estão diagnosticados e que soluções diversas têm sido ensaiadas para os tentar resolver, na formação dos grupos (dimensão e homogeneidade), na escala económica, nas formas de organização, na liderança, na transparência e profissionalismo, na formulação estratégica e posicionamento nas cadeias de oferta. Contudo, os problemas parecem manter-se em muitas regiões e as soluções estáveis só podem ser encontradas pelos próprios nas suas comunidades, contando depois, supletivamente, com os eventuais apoios do Estado e da sociedade em geral.
A construção de capacidade social e organizativa (capital social) é um processo lento e complexo que só uma aprendizagem social dinâmica, a nível interno e na relação com o exterior, pode aspirar.
Os Grupos de Acção Local (GAL), da abordagem LEADER dos Programas de Desenvolvimento Rural, e as Associações de Desenvolvimento Local que os suportam ou gerem, são as entidades que, a nível territorial, melhor podem hoje contribuir para a criação e reforço da organização dos pequenos produtores rurais nas formas e práticas mais ajustadas a cada caso. A sua inserção nas comunidades locais/rurais e a sua capacidade de animação e aconselhamento continuado podem criar formas de coordenação que promovam novas práticas de cooperação e novas formas de organização dos produtores rurais.
As novas estratégias de desenvolvimento local para o período 2014-2020, a propor pelos GAL ao novo instrumento Desenvolvimento Local de Base Comunitária/LEADER, são certamente uma oportunidade para vir a enquadrar os problemas aqui abordados não só numa perspectiva de cooperação para a transferência de conhecimentos já disponíveis mas também de cooperação para inovação, no quadro da Parceria Europeia de Inovação. Entre os domínios eleitos por esta Parceria destaca-se precisamente a inovação na organização de cadeias de oferta.
Considerando a construção de capacidade nos respetivos territórios como um factor estratégico, os GAL poderão desenvolver uma acção muito abrangente e transversal de apoio, animação e aconselhamento. Não só as iniciativas que aprofundem interdependências e melhorem a posição dos produtores nas cadeias de oferta, de que já existem inúmeros exemplos, podem ser apoiadas com incentivos financeiros, como também a introdução das inovações na criação e/ou na melhoria da governação interna das organizações podem vir a beneficiar de outro tipo de apoio (ex. apoio técnico) e práticas de cooperação de forma continuada.
Artigo de opinião publicado em Outubro de 2014, no Jornal Pessoas e Lugares Nº 17.
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]