2023-06-16
Três fases de um trabalho intenso no território de intervenção da ADICES:
A recolha e escrita é da autoria de Olga Cavaleiro que acompanhou e co-coordenou, em estreita articulação com a equipa ADICES, as restantes fases de trabalho.
Numa primeira fase, a elaboração do documento Carta Gastronómica exigiu um amplo trabalho de investigação no território com a recolha de testemunhos nas 48 freguesias do território ADICES que integra os concelhos de Águeda, Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão, e Tondela. As entrevistas realizadas, cerca de 200, permitiram obter uma visão da cultura gastronómica da região nos diferentes momentos da vida das famílias e comunidades, obtendo-se uma perspetiva alargada sobre os hábitos alimentares, os produtos que lhes estão na origem, os modos de produção dos mesmos, e as relações sociais e culturais que as comunidades estabeleceram com a alimentação. Ou seja, esta Carta Gastronómica, mais do que um inventário de receitas, é uma descrição da história e cultura gastronómica das comunidades do território de intervenção da ADICES.
“Mas as receitas não são feitas apenas de palavras escorreitas que nascem na fluidez da procura do sabor. Há silêncios, pausas, murmúrios, uma volta atrás e vai à frente, sorrisos entreabertos, mãos que giram em gestos de abraços, gargalhadas e algumas lágrimas de emoção que viram, que transformam a receita. Isso tudo, é dádiva da oralidade que a escrita nunca poderá reproduzir. Lembro uma das senhoras que, à medida que íamos falando, ia, com um lenço, limpando os olhos. Pensei que, por causa natural, os seus olhos lacrimejassem facilmente e fosse problema do quotidiano. Até porque as palavras corriam, sempre oportunas, tranquilas e fluidas, e nada, na conversa, fazia adivinhar o que iria ouvir. No final, sempre com um discurso suave e sem tremores, confidenciou-me o quanto o lembrar da memória passada a tinha emocionado. – Olga Cavaleiro – In introdução carta Gastronómica do território da ADICES”
Deste trabalho investigação no terreno e na leitura de documentos históricos resultou o texto da Carta Gastronómica, que tem um enquadramento territorial baseado em alguns elementos agregadores:
- A Serra do Caramulo enquanto espinha dorsal deste território e que tendo duas encostas, mais do que separar aproxima as comunidades, pela história, pelo comércio que proporcionou associada à fluidez dos seus habitantes e pelas prácticas agrícolas e comunitárias comuns;
- A Barragem da Aguieira, enquanto ponto de confluência do Dão e Mondego, linhas fluviais agregadoras e embrionárias daquela albufeira artificial, cuja concretização refletiu profundas alterações na paisagem física e humana;
- A Pateira de Fermentelos, um dos maiores lagos naturais da Península Ibérica, que resultou da imbrincada teia da geografia associada ao Vouga, Águeda e Cértima, hoje, elemento fundamental na identidade da região.
“Com o homem ou sem ele, céu e mar seriam os mesmos; mas a terra e a vegetação, este revestimento das paisagens que acode prontamente à memória de quem as evoca, são outras. Terra e não apenas solo natural, porque gerações de culturas o enriqueceram do que permite a sua fertilidade. (…) Como a casca que os moluscos segregam e acompanha o seu crescimento, o mundo rural que envolve o homem e o encastoa profundamente na natureza é, em grande parte, um produto da sua capacidade criadora.” RIBEIRO, Orlando - Ensaios de Uma Geografia Humana e Regional. Lisboa: Sá da Costa, 1970, p. 125, in Carta Gastronómica do Território da ADICES.
A geografia/orografia do local é um elemento central desta história em que o território ganha uma preponderância fruto destes “acidentes” naturais, ou provocados, enquanto elementos de identificação de uma comunidade, dos seus modos de vida, da sua história e do seu futuro.
Na segunda fase, propusemo-nos fomentar uma ligação da gastronomia local enquanto ativo, único e inigualável, junto das instituições de ensino, restauração, produtores locais, confrarias e público em geral, como forma de transferência de conhecimento e promoção das práticas gastronómicas locais. Pretendeu-se ainda, incentivar e promover a realização de dinâmicas económicas locais importantes para reforçar a visibilidade do nosso Território.
Para isso organizámos sessões em escolas profissionais com curso de cozinha ou hotelaria, nos concelhos em que as havia, convidando os alunos e professores, bem como a restauração dos concelhos respectivos e os associados da ADICES.
Certos de que a identidade do território é visível e transversal aos recantos do mesmo, para as várias sessões realizadas foram convidadas algumas das pessoas entrevistadas para a elaboração da Carta Gastronómica dos concelhos integrantes do território ADICES, havendo sempre o cuidado de ter participantes do concelho onde decorria a sessão, e de outros dois concelhos vizinhos. As convidadas participaram numa conversa sobre os hábitos alimentares, com particular destaque para o património imaterial associado à alimentação. Subordinadas a um tema específico relacionado com a alimentação, em cada uma das sessões, as convidadas confecionaram receituário integrante da CG, sendo visível a transversalidade de produtos e receitas. Cada uma das sessões foi, assim, lugar para conversa animada onde cada receita foi apresentada como um conto e cada sabor uma interpretação, realçando a força que a cozinha tem enquanto expressão humana e individual.
As primeiras sessões decorreram em Tondela e Águeda, nas respetivas escolas profissionais, sendo que a última sessão decorreu em Mortágua por ocasião da inauguração da requalificação do mercado municipal, objecto de apoio na medida 10.2.1.6 do PDR, envolvendo na preparação dos pratos os produtores aí presentes com os produtos disponíveis. Estas sessões constituíram uma forma de redescobrir o território, lembrando práticas culinárias e sabores antigos. A perspetiva de integrar estes sabores nas ementas familiares, escolares, comunitárias e sociais afigurou-se como um desejo no sentido de readquirir os laços que ligam as comunidades ao território e à cultura local.
A terceira fase constitui a publicação do livro “Quem conta um conto, acrescenta um pouco! - Carta Gastronómica do território intervenção da ADICES” – título de trabalho.
Este livro mais do que de receitas é uma história da alimentação do nosso território e das pessoas que o integram. Uma viagem, pela memória da alimentação, dos trabalhos agrícolas e dos produtos que lhe estão associados sem esquecer o lugar e as suas condições, onde aconteceram essas memórias.
A intenção é que além do livro sejam criadas outras dinâmicas, como por exemplo uma plataforma online onde o livro fique disponível, mas ficam também outro tipo de informações:
- Banco de imagens – existem centenas de fotografias tiradas aquando das entrevistas que não foram utilizadas no livro e que é importante serem divulgadas;
- Banco de fichas de produtos e pratos recolhidos - da recolha, além do texto que resulta no livro, resultaram 1198 fichas de produtos e/ou pratos que estão descritos de alguma forma na carta. Esta base de dados é de fundamental importância para a preservação destes produtos.
- Listagem de restaurantes aderentes à carta – a intenção é que os restaurantes que pretendam aderir a pratos da carta no seu menu, tenham referenciada a carta com ligação via Qr Code, ao sítio da mesma.
- Criação de Podcast com as histórias contadas na primeira pessoa, em ficheiro áudio, disponível para quem quiser conhecer melhor a narrativa associada a cada pessoa entrevistada na carta. Em todos os 5 concelhos da ADICES existem grupos de teatro de amadores, a intenção é envolvê-los na leitura dos testemunhos para gravação áudio e divulgação neste Podcast.
Além do descrito acima “Quem conta um conto, acrescenta um pouco - Carta Gastronómica do território de intervenção da ADICES”, pretende ainda no quadro dos Projectos PNAES em que a ADICES é parceira, servir como referencial de trabalho, com as escolas e outras organizações do território. Bem como no projecto dos Mercados Itinerantes que pretendem valorizar os produtores locais a partir de produtos de referência identificados na carta, criando um espaço em cada município onde seja possível aproximar produtores de consumidores.
Ou seja, a Carta Gastronómica da ADICES, mais do que um documento é um referencial de trabalho essencial à Estratégia de Desenvolvimento Local, centrada no território, nas pessoas que o integram, e nas múltiplas oportunidades que um maior conhecimento dos mesmos nos proporciona enquanto comunidade.
Num profundo respeito pela natureza e pelos objectivos do desenvolvimento sustentável, co-construindo soluções comuns que vamos VIVER JUNTOS!
O projecto da “Carta Gastronómica da Região – Valorização do Património Identitário do Território da ADICES” é financiado no quadro do Programa Operacional do Centro - “CENTRO-05-5141-FEDER-000957”
Nota de Imprensa da ADICES - 16-06-2023
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
Agenda |
Webinário de boas-práticas sobre habitação nas áreas rurais |
2025-02-20, Evento online |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]