30 anos de LEADER: Testemunho de José Sousa Guedes

Iniciativa "Desenvolvimento Local em Portugal - Uma História Contada na Primeira Pessoa"

José Sousa Guedes, ADER-SOUSA - Associação de Desenvolvimento Rural das Terras do Sousa

Normalmente, tenho uma grande dificuldade em responder sobre o que faço profissionalmente.

“Sou…como hei-de dizer?…Agente de desenvolvimento local.”

“Hã?!” Respondem invariavelmente… ”E onde trabalhas?”…

“Numa associação de desenvolvimento local”.

As pessoas ficam na mesma e, então tenho de ir pela explicação mais fácil “…trabalho numa associação que faz gestão de fundos comunitários, ou seja, apoiamos projetos em diversas áreas, tais como, agricultura, turismo, artesanato, recuperação de património, terceiro setor, cultura, gastronomia, produtos locais, pequenos negócios de indústria, comércio e serviços, ambiente, formação, entre muitos outros”.

Mas esta explicação deixa muito por dizer, porque deixa por dizer todo o conjunto de princípios LEADER que são implícitos à minha atividade. Ou seja, deixa de dizer que um conjunto de entidades locais, públicas e privadas, desenvolvem a sua atividade num determinado território, criam uma parceria e, baseando-se nos recursos desse mesmo território, definem uma estratégia local de desenvolvimento, integrada e multissetorial. Deixa por dizer que, apesar destas entidades não pretenderem resolver todos os problemas daquele território, permitem que a população mais empreendedora consiga desenvolver as suas ideias, através de projetos e negócios, que organizações locais tenham condições para a preservação do património, material e imaterial, ou ainda condições para promover o apoio social, para realização de ações de promoção e para criação mecanismos de inovação.

Por outro lado, deixa por dizer que a parceria tem a possibilidade de participar e desenvolver projetos em cooperação, interterritoriais ou transnacionais, ou seja, de possibilitar o contacto com outras realidades, numa partilha de experiências, promovendo a inovação e aplicação de boas práticas.

Não menos importante, é que deixa por dizer que a implementação da estratégia envolve a população, numa ação de grande proximidade, que possibilita também o desenvolvimento pessoal de quem participa e, também deixa por dizer, algo de muito relevante que é o facto dos territórios não serem definidos por Decreto-Lei, mas sim por elementos de união, tais como a história, os valores culturais e os elementos geográficos.

E, finalmente, deixa por dizer e destacar o facto de que à estratégia é atribuída uma dotação, ou seja, que há uma territorialização das verbas que chegam da União Europeia para serem aplicadas localmente.

Como podem perceber, ao longo destes quase 30 anos (sim…porque estou por cá deste o final de 1992!) tive a possibilidade de trabalhar com diversos empreendedores e entidades, de diversos setores e áreas, tais como vinhos, gastronomia, produtos agrícolas, comercialização de proximidade, formação, artesanato, apoio social, cultura e promoção do território. O trabalho não se limitou a possibilitar um financiamento a alguém para concretizar o seu projeto de vida, mas também a participar no mesmo, fazendo propostas, encontrando soluções, ouvindo desabafos, acompanhando a sua evolução.

Tem sido realmente muito recompensador e considero-me um privilegiado por poder ver crescer e concretizar os sonhos e projetos de vida de tanta gente os quais também enriqueceram o meu crescimento pessoal.

Lamentavelmente, ao longo dos anos, designadamente a partir do momento em que a Iniciativa Comunitária LEADER passou para a alçada da administração central, a independência e gestão territorial foi-se perdendo, passando a existir um conjunto de medidas de apoio definidas centralmente e, se no Sub-Programa 3 do ProDeR- Programa de Desenvolvimento Rural ainda havia um leque alargado de tipologias passiveis de apoio e uma dotação significativa, no actual DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária os apoios passaram a ser quase que exclusivamente dedicados para a produção agrícola, associados a verbas escassas (não incluo as dotações dos fundos FEDER e FSE porque nos Programas SI2E e +CO3SO Emprego nos quais apenas tivemos intervenção até ao parecer técnico, sendo o acompanhamento realizado pela CCDR - Comissão de Coordenação Regional do Norte, situação que deixou os beneficiários como que abandonados na sequência dos processos).

Este trabalho não teria o mesmo significado se feito sozinho e muitas têm sido as pessoas que conheci ao longo destes quase 30 anos, entre técnicos, coordenadores, diretores, promotores, entre outros.

No entanto, há duas pessoas que recordo com especial carinho, a Margarida, mais conhecida pela “Guida da Probasto” que pertencia ao que alguns chamavam “a irmandade do Minho”, juntamente comigo, a Ana Paula e a Mafalda. A Guida era normalmente calada, mas tinha a palavra certa no momento certo. Foram muitos os momentos partilhados que, agora a três, recordamos. E o Paulo Bettencourt, ligado à ADER-SOUSA desde a sua fundação e onde trabalhou em part-time como arquiteto, mas cujas histórias não posso “reviver” com mais ninguém, pois a grande maioria dos momentos foram a dois em visitas aos projetos. Muitas saudades de ambos.

Com a ténue esperança de que o próximo programa de desenvolvimento local em Portugal volte a ter os princípios LEADER como farol, termino com um bem haja a todos os que permitiram que o LEADER exista (!?) e a todos os que trabalham para o desenvolvimento dos territórios e das suas gentes.