2021-12-06
Iniciativa "Desenvolvimento Local em Portugal - Uma História Contada na Primeira Pessoa"
Testemunho de Franz Fischler, Comissário Europeu entre 1995 e 2004
É com grande prazer que estou aqui hoje convosco e não digo isto apenas por cortesia, mas sim porque é verdade.
O início do LEADER, há 30 anos, foi um dos momentos mais positivos para o desenvolvimento das áreas rurais. Continuo agradecido aos meus amigos RayMcSharry e Guy Legras, que iniciaram o conceito do LEADER, no princípio dos anos 90.
Uma pequena história do LEADER
A abordagem LEADER foi introduzida em resposta ao fracasso das tradicionais políticas “de cima para baixo” em responder aos problemas que enfrentavam muitas das áreas rurais da Europa. A ideia era envolver a energia e os recursos das populações e das organizações locais, enquanto agentes de desenvolvimento, em vez de serem beneficiários, empoderando-os, de forma a contribuírem para o desenvolvimento das suas áreas rurais, constituindo Grupos de Ação Local (GAL) e parcerias entre os setores público, privado e sociedade civil, em territórios específicos.
Quando foi proposto pela primeira vez, em 1990, o conceito de conectar e envolver as populações locais e adotar uma abordagem “de baixo para cima” foi bastante inovadora e quase revolucionária num mundo de ordem hierarquizada, habituado a dar instruções “de cima para baixo”, em vez de ouvir.
Em 1991 começou o LEADER I, com três tipos de medidas:
1) Medidas para o desenvolvimento agrícola e rural, incluindo assistência técnica, apoio ao turismo rural, empresas de artesanato e serviços locais.
2) Medidas de apoio aos Grupos de Ação Local e
3) Medidas de apoio à criação de redes transnacionais para os Grupos de Ação Local.
A ideia era estimular a criatividade e o envolvimento das populações e incentivá-las a tomar as rédeas do seu próprio destino. Para além disso, foi criada uma rede para os Grupos de Ação Local, para que os atores locais pudessem aprender uns com os outros e estimular mutuamente as suas atividades.
O financiamento foi atribuído aos Grupos de Ação Local com base num plano estratégico, submetido e aprovado pela Comissão. Desta forma, foi evitada qualquer pré-seleção pelas autoridades locais.
A experiência positiva com o LEADER I convenceu a Comissão a dar continuidade a este conceito e eu aprovei um primeiro conjunto de 22 programas regionais e nacionais para o LEADER II, em Abril de 1995. Entre os quais, estava o primeiro programa português.
O novo programa LEADER foi conseguido montando um Observatório Europeu para a Inovação e o Desenvolvimento Rural. Esperava deste novo órgão, uma melhor disseminação de informação relativa a todas as ações das comunidades para o desenvolvimento rural e uma melhor troca de experiências sobre ações inovadoras realizadas nas zonas rurais.
Os resultados encorajadores do LEADER II levaram à decisão de introduzir o LEADER+ e expandir o LEADER das áreas desfavorecidas para todos os tipos de áreas rurais (2000-2006).
Nos primeiros 15 anos, a abordagem LEADER e a estratégia por detrás da mesma, foram sendo desenhadas progressivamente e tornaram-se um método específico de planeamento e gestão para lidar com os problemas locais das zonas rurais.
A abordagem LEADER
O que queremos dizer quando falamos sobre a abordagem LEADER? A Rede Europeia de Desenvolvimento Rural identificou 7 caraterísticas que definem a abordagem LEADER como metodologia e a distinguem de um mero programa de financiamento:
1) No coração do LEADER está a abordagem “de baixo para cima”. Assenta no pressuposto de que as populações são os melhores especialistas para guiar odesenvolvimento dos seus territórios. Assim, estes devem definir coletivamente o caminho para o desenvolvimento do seu território e escolher as melhores medidas, que pretendam implementar;
2) O LEADER é uma abordagem baseada em territórios específicos e não em projetos específicos. Um território, com 10.000 a 150.000 habitantes, é a base para o desenvolvimento de uma parceria e estratégia local;
3) As parcerias locais para o desenvolvimento de um território funcionam através de Grupos de Ação Local (GAL). As pessoas envolvidas nestas parcerias deixam de ser meros beneficiários passivos dos instrumentos da política de desenvolvimento rural, passando a ser parceiros ativos e condutores do desenvolvimento dos seus territórios. Esta é uma caraterística que define o Desenvolvimento Local de Base Comunitária(DLBC), como foi mais tarde designado pela Comissão;
4) O DLBC está no centro da abordagem LEADER e deve ser levado a cabo através de estratégias integradas e multissetoriais baseadas em territórios específicos. Isto distingue a abordagem LEADER das tradicionais políticas de desenvolvimento rural “de cima para baixo”. As Estratégias de Desenvolvimento Local devem, portanto, visar a capitalização das ligações entre setores ao nível local. Os Grupos de Ação Local (GAL) devem focar-se nesses objetivos e ações que acrescentam valor a apoios já existentes, que apresentam maiores probabilidades de contribuir para as alterações que pretendem alcançar;
5) A inovação é outro dos pilares da abordagem LEADER. Identificar e incentivar soluções inovadoras para os problemas locais ou aproveitar novas oportunidades queapareçam nos territórios tem sido uma parte fundamental do LEADER desde a sua origem. A inovação deve ser aplicada aos tipos de atividades apoiadas e aos produtos ou serviços desenvolvidos;
6) e 7) Finalmente, a ligação em rede e a cooperação, são parte essencial da comunidade LEADER. A ligação em rede e a cooperação devem, portanto, ser estabelecidas a todos os níveis: dentro dos GAL e entre GAL, a nível regional, nacional e internacional. A ligação em rede e a cooperação juntam todos os stakeholders e organizações locais e apoiam a disseminação e a partilha de conhecimentos, experiências, inovação e informação.
Integração do LEADER na política de desenvolvimento rural
Quando a Comissão iniciou a preparação do período 2007-2013, organizei a chamada Conferência de Salzburgo, em 2004 e sugeri que a União Europeia continuasse a beneficiar das vantagens da abordagem LEADER, mas não deveria continuar a separar o programa das restantes políticas. Por outras palavras: O envolvimento das pessoas ligadas ao planeamento e gestão do programa deveria continuar, por incentivar parcerias mais compreensivas e abordagens inovadoras, por facilitar a transferência de conhecimento e por dar aos atores locais uma sensação de “posse” e de identidade local. Deveria ser perspetivada uma abordagem mais abrangente e flexível a nível da legislação europeia e estabelecido um Observatório Europeu para monitorização e apoio aos atores rurais.
No meu último discurso, uma semana antes de deixar Bruxelas, no 1.º Seminário Europeu do Observatório do LEADER+ (25 de Outubro de 2004) prometi: “Continuarei a monitorizar o progresso do LEADER, da mesma forma como sempre fiz desde que oeste surgiu."
Sei que crescerá a sua importância, à medida que os territórios rurais se desenvolvame evoluam e não tenho dúvidas de que com o LEADER as nossas áreas rurais ficarão a ganhar. Com a sua abordagem integrada, o enfoque nos atores locais e a experiência no terreno, continua a ser considerada por muitos uma abordagem pioneira e continua a ser vista com interesse por muitos, dentro e fora da UE”.
O que aconteceu nos anos seguintes, onde estamos e para onde vamos?
No quarto período de programação, em 2007-2013, a abordagem LEADER tornou-se mainstream e passou a integrar a política de desenvolvimento rural da UE. A abordagem cobria 2416 territórios rurais, em todos os Estados-membros, sendo aplicada como uma componente obrigatória dos Programas de Desenvolvimento Rural, com uma alocação mínima de 5% nos Estados-membros com adesão anterior ao alargamento de 2004 (UE-15).
No período de programação 2014-2020, a aplicação da abordagem LEADER, na forma do instrumento Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC), foi estendida a áreas rurais piscatórias e urbanas.
Foi permitida aos GAL a aplicação do DLBC utilizando todos os Fundos relevante spara o desenvolvimento rural e preparar e operacionalizar estratégias integradas, utilizando múltiplos Fundos.
Críticas ao LEADER
Ainda durante o período 2007-2013, surgiram preocupações com a possibilidade da abordagem LEADER estar a ser comprometida pela sua integração na política de desenvolvimento rural. Foi criticado o forte enfoque nas medidas definidas, que estaria a limitar as possibilidades dos GAL implementarem projetos integrados e inovadores.
Os agentes ligados ao LEADER consideraram que os elementos que tornavam o LEADER tão diferente das tradicionais medidas dos Programas de Desenvolvimento Rural, estariam ameaçados. Muitos GAL com experiência consideraram as mudanças introduzidas na implementação no LEADER difíceis de gerir e consumidoras de tempo e recursos excessivos.
Na Declaração Cork 2.0, de 2016, foi referido que a arquitetura da PAC “deveria assentar num quadro estratégico e de programação comum que assegurasse a orientação das intervenções para objetivos económicos, sociais e ambientais bem definidos, construída levando em consideração o sucesso do LEADER. Assim, deveriam ser desenvolvidas estratégias “de baixo para cima”, implementadas localmente, para mobilizar os recursos rurais”.
Em Novembro de 2016, quando a Conferência da ELARD celebrou o 25.º aniversário doLEADER, em Tartu, na Estónia, os participantes adotaram uma declaração onde pediam às instituições europeias e aos Estados-membros que melhorassem a eficiência do LEADER e a qualidade da sua implementação. Para além disso, solicitaram também que o propósito crucial do LEADER – de empoderar as comunidades rurais – voltasse a estar em destaque e que as 7 caraterísticas daa bordagem fossem reafirmadas e tratadas com respeito. Pediram ainda condições de implementação melhores e mais simples no período 2021-2027. “Necessitamos não só de um quadro legal que garanta a correta aplicação do método e dos princípios LEADER nos Estados-membros, como também de uma diminuição significativa da carga burocrática que afeta os GAL”, pode ler-se na declaração.
No entanto, as instituições europeias decidiram, em Junho deste ano, que o LEADER deve fazer parte dos planos estratégicos nacionais e deve seguir as mesmas regras que os outros instrumentos do desenvolvimento rural.
A preparação desses planos está a decorrer, pelo que podemos apenas apelar às autoridades nacionais a que se comprometam com os princípios fundamentais do LEADER e tenham em consideração os pedidos das comunidades LEADER e da ELARD.
Espero que os ministros escutem as preocupações das comunidades LEADER e as tenham em consideração, para que a história de sucesso do LEADER possa ser prolongada.
Para que o LEADER tenha o papel catalisador que muitos identificam como sendo a sua maior força, então, claramente, todos os envolvidos têm de pensar o envolvimento e o trabalho com os outros atores. Têm de se juntar, ouvir-se uns aos outros e chegar a posições comuns.
Eu só posso esperar que nos próximos anos, o LEADER contribua para um desenvolvimento positivo dos territórios rurais e para a prosperidade das pessoas que os habitam.
Talvez uma última consideração final.
O pacote de reforma, decidido em Junho deste ano, prevê uma revisão a meio do período. Assim, comecem já a identificar as forças e fraquezas da atual política, para, quando chegar a altura, possam apresentar possíveis propostas para melhorar o LEADER.
Desejo-vos tudo de bom!
F. Fischler
[Intervenção realizada no Encontro 30 anos do Programa LEADER em Portugal, Pontede Lima, 29.Outubro.2021]
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]