2022-04-28
Iniciativa "Desenvolvimento Local em Portugal - Uma História Contada na Primeira Pessoa"
Desenvolvimento Local, a história não acaba aqui!
Nos meus estudos de agronomia, nos anos 70, gostei em particular das disciplinas da área das Ciências Sociais, como a Economia Agrária e a Sociologia Rural. Tive a oportunidade, pouco tempo depois de terminar o curso, em novembro de 1979, de ingressar como docente no então Instituto Politécnico de Vila Real, instituição inserida numa região com claros desafios de desenvolvimento e que estava a dar os primeiros passos. Integrei-me no Departamento de Economia e Sociologia, tendo-me sido atribuídas as disciplinas de Sociologia e de Extensão Rural, normalmentele cionadas pelo meu colega José Portela, que estava a realizar o mestrado no estrangeiro. Confesso que no meu percurso académico nunca tinha ouvido falar de Extensão Rural, foi uma novidade absoluta. Mas a Extensão Rural foi a minha porta de entrada no campo do Desenvolvimento Local.
Em escassos meses estudei o mais que pude sobre a matéria. No verão de 1980 fiz um curso de verão na Holanda e em 1981 rumei aos Estados Unidos da América, para, durante cerca de seis semanas, conhecer a abordagem da Universidade de Purdue e das chamadas “Land Grant Universities” no apoio à agricultura e às comunidades locais. Aprendi que a universidade tinha uma rede de extensão que abrangia todo o estado, bem articulada com a investigação e o ensino, e que trabalhava com agricultores, jovens, famílias e comunidades, com um foco no desenvolvimento, entendido de forma muito ampla.
Em 1982 voltei aos EUA, desta feita para iniciar o doutoramento na Universidade de Wisconsin-Madison, na área da Extensão Educativa. Foram muitas as aprendizagens, num contexto que permitiu conhecer experiências de todo o mundo e numa altura em que a Extensão Rural estava em foco e em que se começava a falar, cada vez mais, de Desenvolvimento Rural Integrado e de Participação Social. Foquei as minhas atenções numa questão que me parecia (e parece) crítica: a participação dos cidadãos nos processos de desenvolvimento, nomeadamente na construção de projetos e processos de mudança. Uma participação que entendia (e entendo), como ativa, ligada ao envolvimento na tomada de decisões, numa lógica de “empowerment”.
Em Portugal, nessa altura, passados poucos anos da Revolução de Abril, estavam em pleno funcionamento as Direções Regionais de Agricultura, que integravam muitos quadros jovens e com vontade de fazer a diferença. Em Trás-os-Montes foi o tempo do arranque do Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRITM), financiado pelo Banco Mundial, e iniciativas de Extensão Rural estavam a dar os primeiros passos em algumas Zonas Agrárias, que então contavam com equipas razoáveis. O chamado Sistema de Treinamento e Visitas (T&V), que tinha em vista promover mudanças através do contacto de proximidade entre técnicos extensionistas e agricultores selecionados nas aldeias, estava na moda. A Zona Agrária do Alvão-Padrela foi o meu território de investigação, e a participação dos agricultores nos projetos em curso o meu objeto de trabalho.
Os resultados obtidos, que espelhavam a realidade, foram dececionantes face ao meu quadro de referência. A Extensão estava organizada numa lógica “top-down”, com escassa margem para a participação dos agricultores. E estava exclusivamente focada nas questões técnicas, deixando de parte um amplo conjunto de desafios das famílias e comunidades e, mais do que isso, abrangendo escasso número de pessoas, ficando a maioria excluída do acesso mais direto à informação e ao conhecimento.
Nos finais dos anos 80, a possibilidade de criar, já na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o curso de Mestrado em Extensão Rural, abriu novos horizontes de contactos e conhecimentos. No curso, que rapidamente passou a designar-se por Extensão e Desenvolvimento Rural, participaram muitos técnicos das Direções Regionais de Agricultura, assim como outros com experiências de trabalho noutros contextos institucionais e com grupos específicos, como mulheres rurais e jovens. Permitiu conhecer muitas experiências, através de convidados de Portugal, Brasil, França, Países Baixos, Estados Unidos, Reino Unido, entre outros países. Foi altura de conhecer abordagens não convencionais de Extensão, com lógicas integradas e participativas, e de entrar em redes internacionais, como a associada ao “European Seminar on Extension Education” ou ao “Farming Systems Research & Extension Symposium”.
E chegamos anos 90, marcado por dois acontecimentos muito importantes. Em 1991, o lançamento da Iniciativa Comunitária LEADER, fruto da reforma da PAC, que foi uma verdadeira “lufada de ar fresco”, abrindo a porta a ação das Associações de Desenvolvimento Local (ADL), em muitos casos recém-criadas, numa lógica integrada e de “bottom-up”, com forte participação local, muito coincidente com a filosofia de Extensão Rural com que me identificava (e identifico). Estando na altura as Direções Regionais de Agricultura em processo de “esvaziamento” e as iniciativas de Extensão Rural extintas, fruto da perspetiva Europeia de “transferência de funções para as organizações de agricultores”, abracei o Desenvolvimento Local como objeto de estudo e, mais do que isso, como causa.
Em setembro de 1993 é criada a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local em Meio Rural, a ANIMAR, que mais tarde deixou cair o “meio rural”, para ganhar, justificadamente, outra abrangência. Estive no encontro fundador do Mezio (Castro Daire), a 25 e 26 de setembro de 1992. Dinamizado pelo meu colega José Portela, contou com a participação de outros históricos do Desenvolvimento Local, como o José Carlos Albino e a Christine Guerreiro, da ESDIME, a Vilma Silva e o saudoso José Brás, da Solidários, o João Rodrigues, da Cooperativa Mais Além, também com o Timothy Koehnen, da UTAD, e outros de que, lamentavelmente, passados quase 30 anos, já não me recordo o nome. Promovida pelo chamado “Grupo dos 10”, em reuniões realizadas em todo o país a partir desse encontro, a ANIMAR foi outra “lufada de ar fresco”. Abriu caminho para amplos debates, para uma partilha muito alargada de saberes e experiências, para a presença nacional do Desenvolvimento Local, configurando um autêntico movimento.
A MANIfesta - Assembleia, Feira e Festa do Desenvolvimento Local -, cuja primeira edição decorreu em Santarém, em 1994, tornou-se um evento mobilizador dos atores do Desenvolvimento Local, não só das Associações, mas também das autarquias e de muitos agentes ligados à animação territorial e à economia social.
Recordo, com muito gosto, o envolvimento nas primeiras “conversas inacabadas” e a produção das sucessivas teses, resultado de ricos e envolventes debates. Tondela, Amarante, Tavira, Serpa, Trancoso, Peniche, Montalegre, em todas estas MANIfestas participei de forma ativa, sempre com vontade contribuir e de conhecer e apreender mais sobre o Desenvolvimento Local.
Este testemunho termina aqui, mas a história do Desenvolvimento Local continua. Espero que nessa história esteja bem presente o aprofundamento do trabalho em rede, a partilha solidária de conhecimentos e recursos, a promoção de abordagens participativas de animação territorial, o crescimento e afirmação de um movimento agregador de Desenvolvimento Local. E desejo que o LEADER regresse à sua formulação e às práticas originais, para que as ADL possam melhor agir de acordo comos princípios fundadores, de forma mais autónoma e criativa, e em consonância com os desafios das comunidades rurais, sem espartilhos centralistas e burocratizantes que tolhem a sua energia e limitam o impacto da sua ação.
Artur Cristóvão
Professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
Agenda |
Webinário de boas-práticas sobre habitação nas áreas rurais |
2025-02-20, Evento online |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]